segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Cinema: A festa da Menina Morta - Matheus Nachtergaele



Cinema: pirações, paixões, deslumbramentos, estonteamentos, viagens a mil lugares... isso tudo acontece dentro de mim no velho estilo 24 quadros por segundo. Na moral, é a arte em excelência, a arte que engloba todas as outras artes, e a que mais me deixa perplexo pela imensidão de possibilidades. Poesia no estado mais evoluído que um ser humano conseguiu encontrar. Pois bem, não coloquei algumas coisas que penso sobre cinema dentro do blog porque acreditava que este espaço era só para música, algo que eu conheço mais (enciclopedicamente falando), e pelo objetivo principal do blog, que é disponibilizar links externos, links que correm na internet, e que diminuem a lógica básica do mundo capitalista em que estamos inserido, que é a relação estreita entre poder aquisitivo – abrangência cultural. A internet está aí pra quebrar isso. No entanto, como não costumo baixar tantos filmes, prefiro comprar (lógico que falsiê, o famoso piratão) ou assistir nos próprios canais (lógico que não é na globo), isso acabou me impedindo de expor aqui o que eu gosto. Mas foda-se, eu quero falar. Assisti um filme que me deixou meio encabulado, e eu gostaria de abrir a discussão (meio monólogo, na paz eu entendo) e indicar uma coisa que eu gosto, de repente você está perdido por aqui, lê, resolve assistir, e está aí o meu principal objetivo com o blog que é afetar as pessoas.

Festa da Menina Morta é um filme de Matheus Nachtergaele (eu assumo, colei da capa do filme esse nome escroto que eu nunca decorei rsrsrsrs), uma coisa muito nova e interessante pra mim, pois sempre gostei do trabalho dele, principalmente nos filmes de Cláudio Assis (Amarelo Manga, Baixio das Bestas), que na verdade foi uma das principais influências pra essa realização audaciosa, e de onde Matheus se apropriou, além da experiência, do trabalho de Hilton Lacerda no roteiro e de Dira Paes, como sempre muito boa (escolha o sentido que quiser na interpretação, ta valendo), o que me faz chorar toda vez que vejo atores como ela em novelas. Tudo bem, isso é outro assunto e não pretendo esculachar o ganha pão dela.

O cenário é absolutamente perfeito pra temática do filme, que é sincretismo, heterogeneidade, penetrando fundo (ui) a religiosidade, na verdade a fundação, este incrível desejo humano de criar fé, elevar santidades, diante de mistérios que o universo impõe. A morte faz uma linha de passe incessante com esta religiosidade, e a preparação para a festa serve de pano de fundo para a apresentação imagética do conteúdo, do tema, e das relações. O filme é peso,se você bobear só vai acordar no fim mesmo, ou nos gritos de Daniel Oliveira, que representou de forma extremamente Nachtergaeleana (perdoe-me o neologismo) um santo, mas não só santo. Muito gay, é! Bicha mesmo, não to falando de homossexualismo, eu to falando de viadagi. E pra piorar/melhorar, conserva uma relação incestuosa com o pai, um beberrão interpretado pelo sempre bêbado escroto buckowisckiano (ta certo isso?) Jackson Antunes. Esse santo promove sempre essa festa em favor do milagre que ocorreu, em uma história de uma menina que foi comida por um urubu... Enfim, não vou aprofundar essa parte, em parte pelo prazer da revelação do filme, em parte até porque nem eu entendi direito. Fala-se em ressureição, mas ressureição eu não vi! Prefiro concordar com o personagem de Juliano Cazarré: não há milagre algum! Essa é a idéia, Tadeu a toda hora contesta a religiosidade (não a espiritualidade), contesta sua vida simples e laboriosa, a pobreza, a festa. Não basta só dizer que ele é “do-contra”, na verdade ele precisa desafogar, o primeiro plano do filme demonstra isso, ele precisa de luz. E talvez seja ele mesmo o elemento chave do filme.

O elenco ainda conta com a colaboração de Cássia Kiss e Paulo José, e com muuuuita gente da própria comunidade, que é o ponto extremamente positivo deste filme. O filme trás muito disso, da espontaneidade e da verdade do local. Esse é o cinema atual, a gente ta vivendo isso, e temos que destacar isso. Pra provar o que eu to falando, basta assistir a cena da dança do mestiço índio Douglas, colocando toda a heterogeneidade da qual eu falei, essa mestiçagem que ultrapassou o lado biológico e completa a idéia de mundo em que vivemos, e porque não, um pouco de Oswald dentro da tela, que se junta às vozes marcantes (até demais, mas que caiu bem na hora) do MPB-4, preenchendo assim a Mise em Scène como um quadro poético que enche os olhos.

O filme ganhou mais de 20 prêmios por esse mundão a fora, esteve na lista de Cannes, e foi inclusive aplaudido lá, o que, ao meu ver, foi o maior prêmio. Já é de conhecimento de todos que os filmes que freqüentam a listinha de Cannes não são dos mais digeríveis. Muita atenção ao ver esse filme, ele é denso, pesado. Só não vale dormir nos 20 primeiros minutos e criticar depois; é preciso testar a inteligência, e colocar os nervos na ponta do projetor, da televisão, onde quer que seja: coração atento, mente aberta, e essa película com certeza vai agradar.



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